No improviso, a família vai ocupando a casa novamente: sacos cheios de roupas, caixas e a pia do banheiro servindo para lavar a louça. "Com o tempo, tudo se ajeita", é um mantra de Michele. No imóvel, onde mora há 43 anos e que herdou da avó, há pouco mais de duas quadras do Dique do bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre, a água da enchente chegou a atingir 6 metros de altura e, por mais de 30 dias, a ponta do telhado era tudo o que se via.
Ela é mãe de um menino de 8 anos e uma menina de 7, é dona de casa e deixou de trabalhar fora porque a filha, que tem Transtorno do Espectro Autista e síndrome de West, precisa de cuidados redobrados. Quando a água finalmente baixou, os voluntários ajudaram a limpar a residência tomada pela lama. Os colchões, sem espuma, revelavam apenas as molas enferrujadas. Os armários, despedaçados, guardavam utensílios que já não podiam mais ser utilizados.
Por seis longos meses, ela, o marido e os filhos viveram longe de casa, conseguiram um imóvel emprestado na Costa do Sol, em Cidreira, no litoral gaúcho. Tudo era novo, estranho. Foi preciso adaptar-se à rotina escolar, enfrentar idas e vindas até Porto Alegre para consultas médicas e encarar os desafios diários da sobrevivência. A reforma da casa e alguns itens chegaram através do projeto Mulheres da Enchente. No começo, o receio: não tinham dinheiro para nada. Depois, veio o alívio ao perceber que se tratava de uma doação.
Com o tempo, entre obras e expectativas, Michele e a família aguardaram, ansiosos, o dia de voltar para o Sarandi. E voltaram. As coisas parecem se reorganizar, retomando um ritmo que lembrava os dias antes de maio de 2024. O tom do laranja, resgatado nas paredes da casa, que para muitos pode significar alegria, vitalidade e criatividade, para a família é um sinal de recomeço e a esperança de que a água jamais invada aquele lar novamente.