Quando tudo foi levado pela água, elas se tornaram o alicerce da reconstrução.
Conheça o projeto Mulheres da Enchente, que apoiou famílias lideradas por mulheres após a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul.
Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul viveu uma das maiores tragédias climáticas da sua história. As enchentes devastaram Porto Alegre e região, afetando mais de 2,3 milhões de pessoas e milhares de famílias desalojadas. O Estado demorou a chegar e, diante da urgência, nasceu o projeto Mulheres da Enchente.

Nosso propósito foi apoiar a reconstrução da vida de mulheres em situação de vulnerabilidade extrema. Mulheres que já sustentavam suas famílias como catadoras, cuidadoras, diaristas e trabalhadoras domésticas — e que agora enfrentavam a perda total de suas casas, rotinas e memórias.

Com foco na escuta direta e apoio estruturado, a iniciativa conectou doadoras e apoiadoras às necessidades urgentes dessas famílias, garantindo não só itens materiais, mas também afeto, segurança e dignidade.





Em um ano de atuação, o projeto mobilizou mais de R$ 264 mil em doações, oferecendo suporte direto e eficiente.

Cada contribuição foi pensada a partir da escuta
ativa de lideranças locais e das próprias
beneficiárias.
Nossos números:
💸 R$ 264.024,83 arrecadados
🧍‍♀️ 20 mulheres chefes de famílias beneficiadas diretamente
🏠 9 famílias atípicas atendidas (mulher ou familiar dentro do espectro autista, ou com alguma necessidade de suporte neuropsiquico)
👥 30 doadoras pessoas físicas
🤝 7 organizações parceiras
📅 12 meses de ação contínua
🤲 Apoio com móveis, eletrodomésticos, enxoval, assistência psicológica e ajuda emergencial










Mapeamento comunitário: agentes locais e coletivos parceiros identificaram famílias chefiadas por mulheres em situação de vulnerabilidade, priorizando mães atípicas, mães solo e vítimas de violência.

Diagnóstico conjunto: cada família apontou entre 5 a 7 necessidades materiais e 2 a 3 imateriais (como acompanhamento terapêutico, auxílio jurídico ou ajuda com documentação).

Doação estruturada: as demandas foram compartilhadas nas redes sociais do projeto. Doadoras podiam apoiar diretamente via Pix, boleto ou doação de itens e serviços.

Fundo solidário: além de doações individuais, criamos um fundo de apoio para cobrir necessidades urgentes e imprevistos, com repasses de até R$ 80 mil da Skoll Foundation e de doadores anônimos.





Apoio financeiro e compra direta de itens como móveis, eletrodomésticos, cestas básicas, remédios e utensílios domésticos.

Apoio imaterial: psicoterapia gratuita, assessoria jurídica, mobilização para obtenção de laudos habitacionais e auxílio com a Defensoria Pública.

Divulgação das histórias das mulheres e suas necessidades nas redes sociais, o que aumentou a rede de solidariedade e engajamento.




No improviso, a família vai ocupando a casa novamente: sacos cheios de roupas, caixas e a pia do banheiro servindo para lavar a louça. "Com o tempo, tudo se ajeita", é um mantra de Michele. No imóvel, onde mora há 43 anos e que herdou da avó, há pouco mais de duas quadras do Dique do bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre, a água da enchente chegou a atingir 6 metros de altura e, por mais de 30 dias, a ponta do telhado era tudo o que se via.

Ela é mãe de um menino de 8 anos e uma menina de 7, é dona de casa e deixou de trabalhar fora porque a filha, que tem Transtorno do Espectro Autista e síndrome de West, precisa de cuidados redobrados. Quando a água finalmente baixou, os voluntários ajudaram a limpar a residência tomada pela lama. Os colchões, sem espuma, revelavam apenas as molas enferrujadas. Os armários, despedaçados, guardavam utensílios que já não podiam mais ser utilizados.

Por seis longos meses, ela, o marido e os filhos viveram longe de casa, conseguiram um imóvel emprestado na Costa do Sol, em Cidreira, no litoral gaúcho. Tudo era novo, estranho. Foi preciso adaptar-se à rotina escolar, enfrentar idas e vindas até Porto Alegre para consultas médicas e encarar os desafios diários da sobrevivência. A reforma da casa e alguns itens chegaram através do projeto Mulheres da Enchente. No começo, o receio: não tinham dinheiro para nada. Depois, veio o alívio ao perceber que se tratava de uma doação.

Com o tempo, entre obras e expectativas, Michele e a família aguardaram, ansiosos, o dia de voltar para o Sarandi. E voltaram. As coisas parecem se reorganizar, retomando um ritmo que lembrava os dias antes de maio de 2024. O tom do laranja, resgatado nas paredes da casa, que para muitos pode significar alegria, vitalidade e criatividade, para a família é um sinal de recomeço e a esperança de que a água jamais invada aquele lar novamente.




Mais de 30 anos sem pisar na areia, e agora Maria Letícia mora ao lado do mar. Num dia desses, sentou-se ali, por quase uma hora, ficou observando as ondas e molhando o corpo na água salgada, sem pressa. A casa no litoral gaúcho foi adquirida com auxílio do governo, depois que perdeu tudo na Ilha Grande dos Marinheiros, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre. Aos 77 anos, já viu e viveu de tudo, mas quase nada se compara ao que enfrentou na enchente de maio de 2024.

Eram três da manhã quando começou a pedir ajuda. A água já passava de seu pescoço no momento em que ouviu a voz do vizinho, que, do segundo andar de sua casa, prometeu socorrê-la. Ele e o filho apareceram pouco depois em um pedaço de isopor. Algumas horas se passaram até que os bombeiros chegassem para tirá-la dali, mas Maria Letícia tinha uma exigência: seus cachorros também precisavam ser salvos. E assim foi.

Juntos, ela e seus companheiros de quatro patas enfrentaram cerca de nove meses em locais de acolhimento. O desconforto do abrigo e a distância dos cães se transformaram em força para encontrar um novo lar. Maria Letícia é cheia de amigos, e cada um ajudou um pouquinho, da forma que pôde. O projeto Mulheres da Enchente foi mais um dos tantos apoios que recebeu durante o processo de compra do imóvel e, também, quando ela conseguiu se mudar e mobiliar a casa.

Agora ela tem mais e mais planos. A área externa do novo lar precisa de um toldo e também quer construir um espaço para plantar uma hortinha. O jardim está cheio de plantas e até uma parreira faz parte do quintal. Maria Letícia está sempre ativa, quando estava em Porto Alegre trabalhava na liderança de uma cooperativa de recicladores. Na praia, vive uma vida mais tranquila, mas sempre disposta a ajudar e retribuir todo o apoio que lhe foi dado. Sempre com a esperança de dias melhores e de receber visitas de todos os amigos




Tempos depois da tragédia climática, Carol passou um batom. Um gesto simples, mas carregado de significado. Fazia muito tempo que o cuidado dela era voltado para os filhos e à reconstrução do lar. Aquele ato de gentileza com ela mesma, veio depois de conversar com uma psicóloga e foi revolucionário dentro do seu mundo. Aos poucos, Carol percebeu que precisava se reconectar com o que a fazia ser ela mesma, para além de ser mãe, de ser trabalhadora e uma boa parceira.

A água da enchente começou a chegar à casa de Carol logo no início do mês de maio de 2024. Ela, a filha Sophia, de 11 anos, e o filho Pedro, de 7, deixaram a residência no bairro Rio Branco, em Canoas, e, em pouco tempo, viram todos os bens que tinham se desfazerem debaixo da água do rio. Mais do que apego material, havia também o sofrimento de ter que se recuperar sem saber por onde começar, sem saber de onde encontrar forças para lutar por ela e pelos dela.

Carol sentia que tinha perdido a conexão com aquele local que chamava de lar, não conseguia mais ter amor por cada canto. Mesmo depois de tirar toda a lama, e da vizinhança se reorganizando, a rotina, que ele tanto amava, não era mais a mesma. Nunca foi uma pessoa de muitas queixas, mas sentia falta da afeição que tinha com a casa. Com o projeto Mulheres da Enchente veio o apoio psicológico e também alguns itens materiais. A partir dali, foi que ela conseguiu recuperar um pouco da força.

Sonhadora, Carol quer conhecer Portugal. Um sonho um pouco distante no momento, mas que ajuda ela a seguir firme. Também quer ajudar outras pessoas, sente que está apta para isso, principalmente depois que lembrou que o amor próprio faz muito sentido. Assim vai se recuperando, voltando a fazer faxinas e organizando a própria casa, da maneira que é possível, com sua família que é pequena, mas cheia de amor




O primeiro laudo da prefeitura autorizava a volta de Susana e do filho, Juliano, para a antiga casa. O imóvel ainda tem, nas paredes de madeira, muita lama. Os móveis antigos seguem revirados. O piso e a escadinha da entrada, também de madeira, desabam a cada passo um pouco mais firme. O desânimo de tentar reerguer alguma coisa parece inexplicável para Susana. É difícil para ela, que sempre foi uma mulher forte, entender por que, justamente agora, não consegue buscar forças para se recuperar.

Naquele espaço que podiam chamar de lar, ela e o filho eram livres. Juliano tem 16 anos, é diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista e também com TDAH desde os 3 anos. No dia que a água começou a subir, Susana tentou auxiliar o filho a sair do local, mas foi o vizinho, em um barco, quem precisou resgatar o menino em meio a uma crise de pânico. Desde então, as doses dos remédios aumentaram, e o medo de cada gota de chuva ficou mais nítido.

Na casa que moram hoje, de favor, na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, os dois guardam as doações que receberam, algumas delas do projeto Mulheres da Enchente. Susana não consegue mais trabalhar como recicladora. É mãe solo e não conta com uma rede de apoio. O sustento da casa vem de auxílios financeiros do governo e de algumas faxinas que ela faz, mas, apesar disso, eles nunca perderam a esperança da recuperação do lar e de que tudo voltasse à normalidade.

A expectativa, agora, tem outro tom. A família aguarda a liberação da compra de uma casa nova, com apoio de um subsídio do governo. A ansiedade já não é mais pela sobrevivência, gira em torno do que virá: como será a vizinhança, o cantinho do Juliano, a cozinha dos sonhos. O novo lar deve ser um apartamento em São Leopoldo, com espaço no condomínio e longe do alcance das águas dos rios. Para Susana, isso significa mais do que paredes e teto: é a chance de reencontrar a força que a vida levou e ser feliz, de verdade, ao lado do filho.





Nada disso seria possível sem elas. Seis mulheres incríveis conduziram o projeto Mulheres da Enchente com empatia, coragem e dedicação. Voluntárias que transformaram indignação em ação concreta, cuidando de cada detalhe com o coração. A elas, nosso profundo respeito e gratidão.

Caroline
Mariana 
Samara
Silvia

Você pode conferir mais registros do projeto e depoimentos no página do Instagram da iniciativa.


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